Trilhando o Caminho do Guerreiro

Para que possamos falar sobre o que é o Caminho do Guerreiro e como trilhá-lo, precisamos entender alguns conceitos fundamentais que formam essa egrégora, independente da cultura, para então poder vislumbrar sua aplicação dentro de um contexto espiritual, uma vez que essa associação não é muito clara, gerando muitas vertentes de pensamento. Desde já, deixo claro que esta é a minha visão sobre o assunto, baseada em minhas próprias experiências e, como será mencionado adiante, o caminho do guerreiro é de cunho estritamente pessoal, podendo então haver outras interpretações que difiram da minha.

Na maioria das culturas do passado existia uma classe social (casta, profissão, entre outros termos) composta por pessoas (em sua maioria homens, com casos de mulheres, como esporadicamente entre os Celtas) cuja principal função dentro da sociedade era a de arriscar a sua vida para proteger o seu povo dos inimigos. Em algumas culturas a função de guerreiro era diária e exclusiva, o papel do guerreiro na sociedade era o de treinar e se aprimorar para realizar o seu papel da melhor forma possível quando fosse necessário, enquanto em outros casos, essa função só era exercida nos tempos de dificuldade, tendo esses homens (usarei o termo homens para generalizar, sem nenhum intuito sexista ou excludente) outras funções sociais nos demais períodos (caça, pesca, coleta, etc).

Entre esses guerreiros haviam os que se destacavam dos demais, seja por aptidão inata, por grande treinamento ou pela combinação desses dois fatores, esses grandes guerreiros ficaram conhecidos pelo nome de Campeões, ou de Heróis, e sobre eles são contadas grandes histórias que sobrevivem até os dias de hoje. Esses homens eram capazes de realizar grandes feitos nas guerras, e não são poucas as histórias contadas sobre heróis que eram capazes de lutar sozinhos contra dezenas de inimigos e sobreviver, ou de campeões que faziam o exército inimigo paralisar apenas por sua presença no campo de batalha. Todo o fascínio que há hoje em nossa cultura pela vida dos guerreiros é devido aos feitos desses seres especiais, que inspiraram os Bardos a compor lindas e empolgantes histórias, eternizando o seu legado.

Além dos combatentes de linha e dos campeões, todo exército possuía uma figura central que o liderava. Esse líder, que costumava ser um guerreiro de grande valor e de grande capacidade estratégica, era a peça chave em uma batalha, era impossível que uma tropa saísse vitoriosa sem um grande comandante para liderá-los. Entre as grandes capacidades desse comandante estavam a habilidade de desenvolver estratégias que levassem à vitória, bem como a habilidade de motivar e inspirar seus subordinados, inflamando seus corações e convencendo-os a confiar a própria vida ao seu comando. Esses grandes comandantes, assim como seus heróis, também deixaram seus nomes marcados na história devido a seus grandes feitos.

A história foi feita por pouquíssimas pessoas enquanto o resto da humanidade labutava nos campos e carregava baldes de água.” -Yuval Noah Harari (Sapiens)

Temos que deixar muito claro que a realidade das guerras de outrora era muito diferente da poesia que encontramos hoje nos romances cavalheirescos. A batalha era uma coisa suja e amedrontadora, homens se enfileiravam com armas afiadas e se matavam, morte essa que não era na maioria das vezes rápida e com certeza não era indolor. Então, para sobreviver, o guerreiro precisava de uma mente de ferro  que enfrentasse o medo e aguentasse o terror extremo que a batalha trazia, bem como ter a capacidade de se manter incólume ao assistir a morte de seus amigos e mesmo assim continuar batalhando. Aqueles que não possuíam ou não desenvolviam essa capacidade no treinamento simplesmente morriam. Essa junção de fatores forjava um tipo de pessoa com características ímpares, capaz de superar situações extremas e de levar corpo e mente a limites que só podemos imaginar, não há paralelos nos dias atuais.

O Caminho do Guerreiro na Espiritualidade Celta

Com o avanço da tecnologia, as guerras, que antes eram travadas com espadas, tornaram-se impessoais. Antigamente, ao matar uma pessoa, o guerreiro forçava sua espada contra um oponente, sentindo a lâmina atravessar pele, músculo, osso e víscera enquanto, a poucos centímetros de distância, via essa pessoa se retorcendo de dor, sentia o olhar penetrante de sua vítima nos últimos segundos de vida enquanto o sangue quente do moribundo escorria por seu braço. Hoje, com o ataque vindo através de um aperto de gatilho a muitos metros de distância, o preço da vida tornou-se absolutamente ínfimo e o peso dessa morte para quem a causou diminuiu bastante. Os valores antigos, como valor e honra, também se perderam com o passar do tempo, então a simples função de protetor da sociedade (como membros de exércitos e policiais) não se compara à função de guerreiro que era exercida na antiguidade, isso não desmerece em hipótese alguma o valor dessas pessoas, que hoje deixam a família em casa e arriscam a vida para nos proteger, apenas deixo claro a diferença, um soldado pode sim ser um guerreiro (se carregar consigo os valores de um), mas nem todos o são. Por isso, neste artigo estou me referindo aos guerreiros de outrora quando utilizo o termo “guerreiro”.

O Caminho do Guerreiro (espiritual) é uma invenção da espiritualidade moderna, não houve paralelos nos tempos passados, os guerreiros antigos tinham como área de atuação exclusivamente o campo de batalha e qualquer função ou conhecimento místico que possuíam era o de uma pessoa comum, como qualquer camponês. Porém, dentro da egrégora Celta, todos os Deuses possuem alguma característica relacionada à guerra e, nos mitos, é possível notar que todos se envolviam nas batalhas para defender a tribo. Assim, baseado nos estudos e nas práticas pessoais, a Tribo da Urze encara o caminho da espiritualidade celta moderna como um Caminho do Guerreiro. É muito perceptível que a devoção aos Deuses Celtas está sempre relacionada à demonstração dos valores de um guerreiro em sua vida pessoal, ou seja, quanto mais você se afasta desse caminho, mais os deuses se afastam de você e vice-versa. Não enxergamos o Caminho do Guerreiro como uma função social/espiritual/sacerdotal, o percebemos como um guia moral e ético, uma forma de encarar o nosso caminho espiritual e direcionar nossos estudos, o percebemos literalmente como o caminho ou o percurso e não como o objetivo final.

Como já dito, a interpretação do papel do Guerreiro nos tempos atuais é completamente pessoal, dependendo tanto da influência cultural quanto da vivência espiritual específica que cada pessoa possui, no meu caso sou influenciado tanto pela cultura celta, por motivos óbvios, quanto pela cultura japonesa e seus Samurais, que sempre me fascinaram pela sua história e personalidade. Dessa forma, utilizo inspirações de ambas as culturas ao definir e trilhar minha jornada espiritual seguindo o Caminho do Guerreiro, não julgando nem contestando qualquer outra interpretação que tenha influências diferentes da minha. Com esse ponto de vista, percebo que o Caminho do Guerreiro é um caminho de introspecção e de autoconhecimento, que não há uma fórmula para trilhá-lo e que cada um terá que traçar o próprio percurso, porém há muitos pontos que acredito serem comuns, independente do percurso escolhido. Dentre esses pontos, destaco 4, que considero essenciais, e sobre os quais pretendo escrever detalhadamente em outros artigos, são eles:

  1. Disciplina
  • Para que o guerreiro desenvolvesse sua capacidade de combate ele precisava ser disciplinado e treinar arduamente todos os dias, sempre em busca do aperfeiçoamento, cada dia que deixasse de treinar ele estaria uma passo mais perto de morrer em batalha nas mãos de um guerreiro mais treinado, treinar era sua rotina e seu dever.
  1. Valor
  • Na vida moderna, onde não há guerras, não há necessidade nem espaço para a existência de guerreiros de linha, os peões que irão morrer. O guerreiro moderno deve ser forjado do material mais resistente e afiado, para se chamar de guerreiro você deve estar à altura dos grandes heróis de outrora deve almejar que seu nome seja lembrado pela eternidade.
  1. Honra
  • Esquecida na sociedade atual, a honra era a principal característica que uma pessoa deveria possuir, uma pessoa sem honra não era digna de qualquer respeito, e assim deve ser ainda hoje. Honre suas palavras, honre seus compromissos, honre seus ancestrais, seja verdadeiro em suas relações.
  1. Resiliência
  • O percurso para se formar guerreiro é desesperador, não é fácil, nem de longe. Você cairá (e isso é necessário!) várias vezes. O tempo todo você confrontará a vergonha da falha e só será bem-sucedido se olhá-la, aceitá-la e continuar no caminho. Apenas conhecendo o fracasso o guerreiro pode sentir o prazer da vitória. A vitória sem fracassos ou sem dificuldades é o mesmo que nada, nunca lhe orgulhará. Você só sentirá orgulho quando olhar para trás e ver o rastro de sangue que deixou no caminho e saber que conseguiu chegar onde está e ainda ficar em pé. “O verdadeiro vencedor não é aquele que nunca caiu, e sim aquele que caiu muitas vezes e se levantou em todas”

Acredito que trilhando o caminho dessa forma, aplicando ao menos esses 4 pontos (sem deixar de seguir todos os demais valores celtas) estou mais próximo de meus antepassados guerreiros e a partir disso amplio minhas práticas pessoais, adequando minhas atividades de acordo com a sociedade atual e me espelhando em exemplos atuais para moldar minhas atitudes, como grandes atletas, líderes espirituais ou líderes corporativos. Ao observar o modo de vida dessas pessoas é possível vislumbrar traços do Guerreiro em seus atos e personalidades, e assim encontrar o meu próprio caminho, dentro da minha vida e rotina, para que assim os Deuses me considerem digno de atenção e me permitam estar em contato com suas energias e bênçãos. 

Para você que deseja seguir a Espiritualidade Celta, espero que esse texto encontre um lugar em sua trajetória e te ajude a ajustar a caminhada para que trilhe (ou volte a trilhar) esse caminho tão cheio de grandes realizações.

Por Danilo Bispo